Milhares de processos judiciais são ajuizados e cada vez é maior a demanda para perícia em medidores de energia elétrica.
Irregularidades técnicas verificadas em medidores de energia elétrica podem caracterizar defeitos de fabricação, falhas de manutenção ou fraude. Fato é que estas irregularidades são responsáveis por parte das perdas de energia dos sistemas de distribuição de energia elétrica.
As perdas em energia se desdobram em prejuízo aos consumidores, que pagam em suas contas sob a forma de perdas não técnicas. Também em perda de receita ao estado, como tributos não recolhidos.
Principais tipos de irregularidades ou notificações feitas pela concessionária de energia
Devio anterior à medição
O desvio anterior à medição é muito comum e muitas vezes de fácil detecção. Neste caso, é feito um desvio no alimentador antes da chegada ao medidor.
Para esta avaliação basta realizar a medição de corrente no alimentador no ramal de entrada e após a medição.
Intervenção no medidor com violação do lacre
O medidor de energia pode ser alterado a partir da violação do lacre da caixa de medição. Com acesso à parte interna do equipamento, vários tipos de intervenções no medidor são possíveis visando a adulteração da medição.
Nos medidores eletromecânicos a alteração mais comum é o aumento do atrito do disco. Nos medidores eletrônicos são comuns intervenções nos circuitos que dos sinais de tensão e corrente.
Intervenção no medidor sem violação do lacre
É possível intervir no medidor de energia sem romper os lacres do medidor de energia.
Uma das formas é realização furações ou recortes no encapsulamento do medidor para interferir nos componentes internos do medidor, causando anomalias no funcionamento do equipamento.
Outra forma é com injeção de corrente contínua nas bobinas do medidor. Estas bobinas são dimensionadas para funcionar com corrente alternada e o calor causado pela corrente continua danifica o isolamento entre espiras.
Como a concessionária de energia detecta possíveis irregularidades na medição
A concessionária seleciona, com base em algoritmos automáticos, as unidades que serão fiscalizadas, submetidas a um controle administrativo para verificar a existência de irregularidades no sistema de medição.
No caso de constatação de irregularidade, a concessionária emitirá o Termo de Ocorrência e Inspeção (TOI), caracterizando a irregularidade. A concessionária deve seguir RN 414/2010 da ANEEL (substituída recentemente pela RN 1.000). A orientação da RN diz que, para compor o conjunto de provas, ou seja, para caracterizar a irregularidade no sistema de medição, os técnicos da Concessionária podem dispor de registros fotográficos.
Principais documentos elaborados pela concessionária de energia
No caso de a irregularidade for constatada como fraude, a Concessionária pode realizar um boletim de ocorrência policial. Desta forma, o Delegado de Polícia Civil deve requisitar a perícia em medidores de energia elétrica aos Peritos da Polícia Científica. Nesses casos, o Perito Criminal Oficial irá realizar o exame diretamente sobre o conjunto de provas. Este se trata de um exame pericial direto.
Na grande maioria dos casos, o boletim de ocorrência não é realizado. Apesar da constatação de um ilícito penal (e neste caso, tem-se a obrigação de comunicar à polícia), a Concessionária sabe da limitado efetivo policial.
A concessionária então aplica procedimentos administrativos previstos pela RN 414/2010-ANEEL e regularizam a situação da unidade consumidora. Após a regularização, as ações mais comumente realizadas pelas concessionárias são a elaboração do TOI, realização de registros fotográficos durante a inspeção e, posteriormente, a busca pela recuperação de receita. Vale salientar que a receita a ser recuperada é estimada pela Concessionária e, na maior parte das vezes, recupera-se menos do que fora desviado.
É importante salientar, novamente: a Concessionária regulariza a situação da unidade consumidora. A irregularidade no sistema de medição deixa de existir! O TOI e os registros fotográficos possivelmente serão são os únicos elementos restantes para avaliação da ocorrência. Esta situação torna o exame da perícia em medidores de energia elétrica indireto.
O Termo de Ocorrência de Irregularidade – TOI é um instrumento legal, previsto na Resolução nº 414/2010 da ANEEL, que tem por finalidade formalizar a constatação de irregularidades encontradas nas unidades de consumo dos usuários de energia elétrica, que proporcione faturamento inferior ao real. Para o Perito terá utilidade como uma descrição do que fora realizado pela equipe da Concessionária. As principais informações do TOI são as numerações de lacres encontrados na caixa de medição e no medidor. Também é comum encontrarmos informações no campo de observação, destacando as anomalias identificadas durante a inspeção. Mas realizar uma perícia baseando-se em um TOI é quase certeza de atestar a existência da irregularidade, pois seu preenchimento é realizado por técnicos instruídos, e, dessa forma, o princípio do contraditório não é atendido.
O que realmente resta para o Perito é realizar exame indireto sobre os registros fotográficos realizado pelos técnicos da Concessionária. Nesse exame, o perito deve verificar a existência de todos os requisitos necessários à completa caracterização da irregularidade.
A concessionária de energia neste caso é a responsável por compor um conjunto de evidências para a caracterização de eventual irregularidade. Dessa forma, é necessário a comprovação da mesma.
IMPORTANTE: Todas inspeções DEVEM ser feitas atendendo os critérios da resolução normativa 414 de 2010 e a resolução normativa 1000 de 2021 da Agencia Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). É preciso observar e considerar as datas de publicação destas resoluções.
Metodologia de perícias de irregularidades na medição de energia elétrica
A metodologia é um item obrigatório em laudos periciais. Em muitos laudos, este item não é apresentado, o que torna o laudo nulo.
Em termos de referenciais metodológicos, Maia (2019), Sertã Junior (2019) e Fiker (2011) definem alguns princípios norteadores para uma perícia técnica, sendo eles:
- Princípio da Observação: Devem ser observados os aspectos relacionados aos pontos contravertidos da demanda, no que refere ao aspecto regulatório e técnico por parte do perito.
- Princípio da Análise: Devem ser analisados os fatos narrados na petição inicial, contestação, replica e documentos técnicos.
- Princípio da Interpretação: Deve ser interpretados a relação de causa e efeito para configurar a objeto do litígio.
- Princípio da Descrição: Deve ser descrito detalhadamente o ocorrido durante a diligência física (vistoria) e processual.
- Princípio da Documentação: Deve o perito verificar toda a documentação.
A realização do exame indireto não é complexa, desde que o expert entenda do exame e conheça seus requisitos necessários. No caso de dúvida do Perito, na dificuldade de análise de algum dos requisitos, o Perito pode emitir um resultado não conclusivo, mas apenas sugestivo, pois a máxima jurídica reza “in dubio pro reu”.
IMPORTANTE: Quando ocorre a regularização por meio da substituição do medidor, deve ser verificado se o equipamento está disponível para inspeção. É importante confirmar o local onde o equipamento está disponível para avaliação.
Para o exame direto, é importante que seja realizada criteriosa avaliação técnica com registro fotográfico, inspeção visual com observação de condições e características construtivas do medidor (dados de placa, lacre, partes e dispositivos do equipamento). No caso de avaliação de avarias, as mesmas devem ser registradas. A recomendação é que só seja realizada perícia em medidores de energia elétrica com acesso aos componentes internos do medidor após os ensaios.
Devem ser realizados ensaio de exatidão, ensaio do mostrador e
Posicionamento dos consumidores
Em grande parte dos casos, os consumidores ou discordam do valor que a Concessionária tenta recuperar, ou discordam da existência da irregularidade ou, simplesmente, desconhecem a legislação brasileira. Por qualquer uma destas causas, entendem ser possivel não pagar o valor reclamado pela Concessionária.
Em outra parte dos casos, consumidores alegam que a prova foi produzida unilateralmente (pela Concessionária), sem a participação ou presença de um responsável pela unidade consumidora, e exigem o direito do contraditório. O responsável pela unidade não presencia a inspeção quando se recusa ou quando não se encontrava na unidade durante a inspeção.
BIBLIOGRAFIA
- RN 456/2000 / ANEEL
- RN 414/2010 / ANEEL
- RN 1000/2021 / ANEEL
- FIKER, José. Perícias e Avaliações de Engenharia: Fundamentos Práticos. São Paulo, LEUD, 2011
- MAIA, Sérgio. Perícia em furto de energia elétrica – da inspeção administrativa ao exame pericial. Millennium. 2019.